Destino tradicional de inverno, a Suíça ganha outra luz nos dias de verão. É hora de cruzar as espetaculares paisagens alpinas e ver a alegria das cidades, os campos verdes e os imensos lagos de um país rico eultracivilizado
Era uma vez uma república, nem tão distante, em que a pobreza quase não existia e todos os assuntos de governo eram decididos diretamente pelo povo; lá, gentes de diferentes línguas e crenças viviam em paz e desde muito tinham escolhido se abster das guerras que assolavam as nações vizinhas; nessa terra, de imensos lagos, vales profundos e rios de cor verde-esmeralda, as vacas pastavam sob picos eternamente nevados, tão calmas e sadias que seu leite produzia os melhores queijos e chocolates do mundo; nesse país, tudo funcionava como um relógio de luxo à antiga, de engrenagens azeitadas e vidros bem polidos.
Para o forasteiro imaginoso, a Suíça tem mesmo um quê de conto de fadas: de acordo com meia dúzia de rankings, o pequeno país alpino é o melhor lugar para alguém nascer neste mundo. Status que se deve não apenas aos cofres abarrotados de seus incontáveis bancos, mas também aos marcos de civilidade que mantêm sob a mesma bandeira 8 milhões de pessoas falantes de quatro idiomas – alemão, francês, italiano e romanche –, distribuídos nos 26 cantões (estados) que formam a Confederação Helvética – o outro nome que se dá à terra dos suíços.
Destino concorrido no inverno em razão das suas charmosas estações de esqui, a Suíça ganha outra luz nos dias do verão. É a época em que sortudos natos aproveitam o sol à beira dos rios, os campos verdejantes e as espetaculares passagens nas alturas dos Alpes abertas ao trânsito. Por consequência, é o período ideal para os forasteiros percorrerem de carro ou trem, no todo ou em parte, o chamado Grand Tour, circuito turístico de 1 600 quilômetros que dá conta da maior parte desse país que se aproximou da improvável utopia de transformar a matéria das fábulas na melhor das realidades.
ZURIQUE
Riqueza secular
O ponto de partida natural é Zurique, onde aterrissam os voos da Swiss, diretos de São Paulo. Com 400 mil habitantes de língua alemã, a maior cidade suíça guarda os superlativos de verdade para as finanças. Rica desde a Idade Média, ela é sede de 110 bancos cuja mão de obra muito bem remunerada faz com que a renda média no município bata em 7000 dólares. Média.
Esqueça os táxis – do aeroporto, trens chegam em 15 minutos à Hauptbahnhof, a linda estação central. No entorno passam também as principais linhas de trams, os bondes elétricos sobre trilhos. Vá ficando esperto com o relógio: pontualidade suíça é coisa de deixar britânico sem entender por que a virtude foi associada a eles.
De cara se abre a Bahnhofstrasse, rua de compras entre as mais sofisticadas do mundo – destaque, naturalmente, para as vitrines polvilhadas de relógios. Mas, se você não é um inconfesso proprietário de uma conta numerada numa das agências bancárias ali instaladas, cuidado: a Suíça é cara; Zurique, mais ainda – e tudo fica mais oneroso quando se converte o anêmico real para o forte franco suíço.
Menos tentador e mais aprazível é subir as vielas tortuosas em direção ao Lindenhof, parque instalado numa colina onde os romanos mantinham um forte. Ali se vê o Rio Limmat, em cujas margens se concentram restaurantes, cafés e as principais atrações da área histórica. Para uma foto exibida no Instagram, enquadre, de um lado do rio, as torres duplas da igreja ortodoxa Grossmünster; de outro, a torre azul da gótica Fraumünster e a da Peterskirche, a Igreja de São Pedro, que ostenta o relógio com maior diâmetro da Europa. Além, lago (Zurique) e Alpes, uma dobradinha que se repete no horizonte suíço em quase toda parte.
Se balada é a intenção, gaste poucos minutos no tram até Zurique West, distrito trendy e boêmio que brotou do projeto de revitalização da antiga área industrial da cidade. Hoje, novos edifícios de ocupação mista, residencial e comercial, dividem a paisagem com os antigos galpões, que, restaurados, servem de espaços culturais.
É o território das bikes, dos orgânicos e dos grafites. Por ali, num edifício feito de contêineres empilhados, fica a sede da Freitag, a grife que ganhou o mundo hipster com sua linha de bolsas e sacolas coloridas feitas com lona de caminhão. Perto está o Im Viadukt, complexo de lojas, ateliês e bares alinhados sob os arcos de um antigo via-duto ferroviário, ainda em uso.
Todo o investimento municipal em Zurique West teve de ser aprovado pelos contribuintes em referendo – na Suíça, vota-se em tudo, o tempo todo, e o faz quem quiser. Foi no voto que os suíços rejeitaram, por exemplo, a entrada do país na zona do euro. No que, diante da crise que vem castigando os vizinhos, não se arrependem.
SCHAFFHAUSEN E STEIN AM RHEIN
Nas curvas do Reno
Ao norte, a pacata Schaffhausen se orgulha das memórias medievais. À beira do Rio Reno, no promontório de uma colina coberta por parreiras, está a circular Fortaleza Munot, um projeto do século 17 de Albrecht Dürer. Hoje serve de mirante para a Cidade Antiga e suas casas com telhados tomados por janelas de sacadas envidraçadas – são 171 delas, conta feita na ponta do lápis.
Nos arredores, o programa de verão é visitar as Cataratas do Reno. É a maior cachoeira da Europa em largura – são 150 metros bem ruidosos e molhados, principalmente para quem toma o barco na foz, desembarca na formação rochosa central e sobe as escadas até o topo. Não é assim um Iguaçu, mas o parque, como tudo por ali, é impecável. Na lojinha, você pode comprar um dos mil e um modelos de canivetes Victorinox – os preços são os mesmos aonde quer que você vá.
A outra joia do cantão é a pequenina Stein am Rhein, onde o Reno é abastecido pelas águas do imenso Lago de Constança. Ali a vitrine é a Rathausplatz, onde uma sequência de casas enxaimel funciona como obra de arte, com suas sacadas e fachadas coloridas, em pinturas que remontam ao século 16 – obras de proprietários exibidos e competitivos com a vizinhança. Repare nos arranjos de flores nas janelas. Por toda a Suíça você verá esse mesmo zelo com os jardins.
APPENZELL
Uma casa no campo
O capricho quase cênico é amplifica-do em Appenzell, vila aonde o viajante motorizado chega em uma hora após vencer boa parte da extensão do Lago de Constança, na fronteira com a Alemanha. Na montanhosa Appenzelland, o clima interiorano parece obra de um paisagista cuidadoso, com estradinhas secundárias serpenteando entre casas de fazenda e celeiros distribuídos entre as pastagens verdes e os abetos. Dirigi por elas cedinho, em meio à névoa da manhã, numa daquelas experiências de viagem que a gente não esquece.
Entre igrejas históricas, casas enxaimel e edifícios de fachada pintada, a tradição é cultivada com afinco. Em sua loja, o simpático Hampi Fässler é representante da sétima geração de uma família especialista em suspensórios com apliques de metal, usados na indumentária local, e nos adereços coloridos das tiras que seguram os largos sinos que vão no pescoço das vacas. Num ritual que se repete há séculos, em maio, elas são conduzidas para os Alpes numa procissão com crianças à frente tocando as cabras, depois quatro pastores cuidando das reses, por fim o dono do rebanho acompanhado de um cão da raça Bläss. A volta, a partir de agosto, segue a mesma mise-en-scène.
Em outro ritual tradicional que remonta ao fim da Idade Média, os moradores do cantão mostram o que é democracia direta no duro. No último domingo de abril, todos se reúnem em praça pública para a Landsgemeinde – assembleia ao ar livre em que as votações de leis e de orçamento se dão no ato, com os braços erguidos. Depois a ideia é beber uma caneca da (boa) cerveja local, ou comer os típicos pães de mel com nozes, ou se acabar com os fortes queijos Appenzeller.
Para respirar outros ares, pegue o trem até a vizinha Wasserauen e embarque no teleférico rumo à montanha Ebenalp, parte do Maciço de Alpstein, a 1 600 metros de altitude. De lá parte uma infinidade de trilhas – e de onde se pode ver a imensidão do Lago de Constança e dos campos appenzellers. Por ali, uma caminhada leva às cavernas Wildkirchli, que guardam restos neandertais, e à incrível Berggasthaus Aescher, albergue e restaurante que parece encravado na rocha, diante do paredão dos Alpes austríacos. Hora boa para sentar, recuperar o fôlego e comer batata rösti com salsicha.
BELLINZONA, LUGANO E LOCARNO
Uma Itália certinha
De carro, a primeira experiência de travessia pelos Alpes se dá no Passo de São Bernardino, que leva a Bellinzona, capital do cantão de Ticino e onde o viajante pode ficar com a impressão de ter tomado o caminho errado. O idioma alemão dá lugar ao italiano, clima se torna subitamente mediterrâneo e a arquitetura ganha contornos lombardos, típicos do norte da Itália. E há com efeito muito italianos por ali – todos os dias milhares deles cruzam a fronteira em busca dos bons salários suíços. Daí as buzinas que se ou-vem nas ruas, o vozerio alto nas lojas, o garçom que praticamente arremessa, prego, o cardápio na mesa.
Bellinzona nasceu como cidade fortificada à beira do vale do Rio Ticino – através dele, os romanos tinham acesso às passagens sobre os Alpes que levam ao norte e ao oeste do país. Foi ali que os duques de Milão ergueram os três castelos para defender essa posição preciosa. No século 19, passou a ser parte da Confederação Helvética.
Patrimônio Mundial pela Unesco, os castelos seguem intactos – os dois mais antigos, Castelgrande e Montebello, são interligados por muralhas com ameias e torres que correm colina acima como se vê nos filmes me-dievais. O primeiro, mais antigo e impressionante, está assentado em um maciço rochoso gigantesco logo acima do casario italiano; o segundo fica rodeado de parreiras de Merlot (que dão um ótimo vinho – branco! – ali). Além fica o pequeno Sasso Corbaro, instalado na campina verde de um promontório. Se você estiver por lá num fim de tarde de verão, encha a garrafa com a água gelada da fonte que há dentro do castelo e sente sob a sombra das árvores, agitadas com a brisa que sopra do vale.
Embaixo, na cidade, tudo gira ao redor da Piazza Collegiata, com suas mesinhas dispostas na praça que abriga a mezzo renascentista, mezzo barroca Chiesa Collegiata dei Santi Pietro e Stefano, com pinturas e esculturas cujo esplendor não deixa dúvidas de que estamos em solo de tradição católica. Repare nas manchas escuras no granito que recobre o piso e as colunas. São fatias de fósseis pré-históricos.
Dali, meia hora de carro leva a Lugano, cidade que se formou à beira do lago homônimo, que serve de fronteira com a Itália. Emoldurada pelos arcos dos edifícios renascentistas, a Piazza della Riforma concentra os cafés e os restaurantes, generosos em massas, pizzas e polentas – todas as delícias italianas servidas com a eficiência suíça. Vale a parada para um pedaço de torta di pane no elegante Grand Cafe al Porto. Perto, o dolce far niente acontece no Parco Civico, de cara para o lago.
Montanha por aqui também não falta. No pé do Monte Brè, um funicular carrega os pedestres aos mais de 900 metros do topo, ponto de partida para uma miríade de trilhas. Lá, a parada é no restaurante La Vetta, para tomar uma gazzosa ticinese e ver como a composição do Monte San Salvatore com o Lago Lugano lembra, é fato, a Baía de Guanabara.
É preciso pegar o carro (ou o ônibus) para ver outra paisagem estonteante. Atravessando a serra ao norte do Lago Maggiore, chega-se ao Valle Verzasca, distrito da (linda) cidade de Locarno, onde a população mal passa dos 3 mil habitantes – da estrada se veem, por exemplo, as casinhas de pedra da menor comuna de toda a Suíça, Corip-po, cujas almas viventes encarapitadas na colina se contam em torno de 20.
Muito mais gente se acha na barragem do lago artificial Di Vogorno, para ouvir o berro dos bungee jumpers sumindo 220 metros abaixo – foi nesse cenário que o James Bond de Pierce Brosnan saltou na abertura do filme 007 Contra GoldenEye. Ser valente ali não é barato: um mergulho custa desde 195 francos suíços (quase 800 reais).
Adiante, perto da comuna de Lavertezzo, mais gente ainda se concentra nas proximidades da Dei Salti, antiga ponte de pedra românica, erguida em arco duplo, sob a qual correm as águas extraordinariamente esmeralda do Rio Verzasca (“água verde”). É para lagartixar sobre as pedras branquíssimas ou dar um mergulho na água – cuja temperatura não passa de 10 °C. A alternativa é ir beliscar pão, salame, queijo e beber vinho nos grotos, velhas casas de pedra erguidas nas áreas de sombra do vale – providenciais nos dias mais quentes do verão.
ZERMATT
Acima, o Matterhorn
Saindo do sul da Europa, os carros de turistas apressados costumam se enfiar nos 16 quilômetros de extensão do Túnel de São Gottardo, que atravessa o maciço alpino homônimo em direção às famosas estações de esqui, a noroeste do Ticino. No verão, contudo, vale fazer um longo desvio.
É importante não errar: para chegar a Zermatt por um dos caminhos mais cênicos do mundo, siga para Airolo, onde se sobe a 2 000 metros de altura para, na sequência, descer em ziguezague as curvas estreitas, calçadas de pedras, do Passo de São Gottardo em direção a Tremola – um caminho valioso na Idade Média para a circulação de mercadorias na Europa. Depois dele, outra sinuosa e estratosférica travessia alpina acontece no Passo Furka – foi nesse cenário espetacular que outro James Bond, dessa vez o de Sean Connery, em Goldfinger, acabou com o carro de uma bondgirl com seu Aston Martin DB5 superequipado.
Uma sequência de vilas com casas de madeira antecede a chegada a Täsch, no cantão de Valais. Lá é preciso deixar o carro e pegar o trem para Zermatt, onde veículos motorizados não são permitidos. Destino de luxo povoado por esquiadores no inverno e por japoneses em qualquer tempo, a cidadezinha tipicamente alpina vive literalmente à sombra do principal cartão-postal da Suíça: o Matterhorn, a montanha piramidal que virou ícone do Toblerone. Acima das ruazinhas, nos terraços dos restaurantes e dos hotéis cinco-estrelas – aonde quer que você vá, lá está ele. Assim como suas histórias: o Museu Matterhorn relembra os mais de 500 alpinistas que morreram na montanha desde 1865, quando o pico, a 4 478 metros, foi conquistado pela primeira vez, já com quatro baixas numa equipe de sete.
Claro que a ideia é vê-lo o mais perto possível. Do centrinho de Zermatt, outro trem leva quarenta minutos até a estação Gornergrat, a 3 000 metros de altura, onde está instalada uma plataforma de onde se tem, de um lado, um ângulo perfeito do Matterhorn e, de outro, uma vista privilegiada da Geleira Gorner. À distância, outro maciço famoso, o Monte Rosa. Sem neve por ali para esquiar, vale fazer a combinação trem e trilha para descer.
MONTREUX, VEVEY E RIVAZ
Uma Riviera francesa
Na montanha-russa de diferentes culturas, línguas e paisagens suíças, os trilhos levam ao cantão Vaud, no oeste do país, onde se concentra a população de língua francesa. E novamente é como se o viajante tivesse inadvertidamente cruzado outra fronteira.
Se Lausanne é a capital e Genebra é a cidade mais rica da região, a mais popular certamente é Montreux, que abriga o festival de jazz sempre habitado por músicos brasileiros. Com sua sucessão de edifícios da belle époque à beira do Lago Genebra, onde um calçadão se abre entre jardins bem-cuidados à sombra das palmeiras, Montreux ainda guarda o clima de Riviera que atraiu, no século 19, aristocratas russos e franceses e, mais recentemente, artistas como Freddie Mercury – na promenade, uma estátua do vocalista do Queen bastante disputada pelo povo das selfies. Gente animada, de crepe na mão, não falta.
Para variar o clima balneário-chic, há opções que podem alcançadas de ônibus, barco ou trem. A primeira, no caminho para a cidade de Villeneuve, é o majestoso Castelo de Chillon, erguido sobre uma rocha sobre o lago, de cara para os Alpes. Ex-residência dos duques da casa de Savoia (cujo brasão de armas é bem conhecido dos palmeirenses), foi confiscado pelos bernenses no século 16 e hoje é um museu com tours guiados pelas dezenas de aposentos. Atenção para as latrinas – meros buracos abertos sobre o lago – e para o grafite deixado por Lorde Byron numa das colunas do subsolo, lugar que abrigou uma horripilante prisão.
A segunda opção fica no sentido oposto, de Lausanne. Trata-se de Vevey, cidade famosa por ter sido o berço da Nestlé (cujo fundador, Henri, inventou a farinha láctea) e que também possui, como Montreux, seu forasteiro famoso – Charlie Chaplin, que, além de estátua, ganhou mu-seu. Dali o trem leva até Rivaz, onde se podem ver as imensas vinícolas de Lavaux, que produzem ótimos vinhos com a estrela local, a uva Chasselas. A paisagem, que rendeu outro caneco de Patrimônio Cultural pela Unesco para a Suíça, pode ser admirada também em um dos cruzeiros que percorrem a margem leste do lago.
BERNA
Capital do sonhos
De volta à zona alemã, Berna ensina outras lições suíças. Também Patrimônio da Humanidade pela Unesco, a Cidade Antiga (Altstadt) se situa numa península onde o Rio Aare faz uma curva de 180 graus – fosso providencial para o lugar manter as escaramuças do lado de fora na Idade Média. Depois desses tempos, quem fez as vezes de fosso foi a neutralidade que manteve a Suíça fora de guerras desde o século 16. Livre das bombas que destruíram tantas cidades históricas europeias na Segunda Guerra, Berna praticamente segue inalterada desde essa época.
Ali fica a Bundesplatz, onde 26 pequenas fontes luminosas representando cada um dos cantões jorram diante do edifício neorrenascentista do Parlamento. Dali se chega à Marktgasse, que começa na Torre da Prisão e segue até a Torre do Relógio, o famoso Zytglogge. Obra de arte da relojoaria mecânica, a torre exibe em sua face leste um lindo relógio astronômico e outro de horas. O maquinário externo, do século 16, inicia seu show 5 minutos antes de cada hora cheia. Diante de um mar de celulares em punho, galos cantam, ursos fazem a ronda, um bobo se antecipa à hora certa, e Chronos, deus do tempo, bota ordem na bagunça. No fim, uma figura de bronze martela o sino de 1,4 tonelada.
Fotos e vídeos feitos, segue-se em linha reta pela Kramgasse, a principal artéria da cidade. Com 300 metros de extensão, calçado de pedras e ladeado totalmente por arcadas, o passeio ostenta o título de maior rua de compras coberta da Europa. Abaixo do nível da rua, antigas caves de vinho servem de bares, galerias de arte e outras lojas.
De um dos baixos apartamentos empoleirados ali se vê a fileira de fontes centrais que, ladeadas pelos trams vagarosos, seguem até a ponte que cruza o cotovelo do rio e as colinas arborizadas acima. Foi em um desses apartamentos que um morador, Albert Einstein, se tocou da relatividade do universo. Por ali, um desvio leva à catedral gótica, a Münster St. Vinzez. Na entrada, um impressionante painel retrata o Juízo Final – tão bonito que nem os calvinistas mais iconoclastas tiveram coragem de remover.
Adiante, nos limites da Cidade Antiga, o funicular de menor extensão do mundo (105 metros) leva ao Marzili, balneário que serve de trampolim para os bernenses darem um mergulho no Rio Aar – coisa que pode ser feita, assim, no horário do almoço. Fora da Cidade Antiga, é imprescindível subir (de tram é melhor) até o Rosengarten, jardim com mais de 200 variedades de rosas de onde se abre a vista de cartão-postal de Berna, com o casario barro-co abraçado por um U de águas e árvores de copas altas.
INTERLAKEN, GRINDELWALD E WENGEN
Lagos e montanhas
No cantão de Berna fica outro destino concorrido. Se Zermatt é o paraí-so dos japoneses, Interlaken é a meca turística dos sauditas. No verão, depois do Ramadã, a cidade é tomada por magnatas do petróleo e suas várias esposas escondidas sob as burcas.
Localizada entre os lagos (daí o nome) Thunersee e Brienzersee, a cidade se assenta numa planície rodeada pelo Maciço Jungfrau, onde estão os picos Eiger, Mönch, Jungfrau e quase duas dezenas de outros menores. São populares estações de esqui e também ótimos spots para trekking e uma infinidade de esportes de verão.
A primeira subida é até o Harder Kulm, ao qual se chega por funicular. O mirante, a 1 300 metros, conta com um agradável restaurante e uma plataforma avançada sobre o vazio de onde se vê todo o conjunto – a mancha urbana cercada pelos dois lagos, com o maciço montanhoso ao fundo e o céu pontilhado pelas cores dos paragliders.
Toda a região, chamada genericamente de Jungfrau, é interligada por linhas de trem e dezenas de teleféricos; e mais interessante do que ficar em Interlaken é explorar as vilas alpinas nos sopés das montanhas. A mais concorrida é Grindelwald, que fica de cara para a face norte do Eiger – outra montanha desafiadora, com 62 alpinis-tas mortos no currículo.
Ali se pega um dos trens para Jungfraujoch, chamada pelos suíços de “topo da Europa” por ter a estação ferroviária mais alta do continente – 3 454 metros bem perceptíveis no ar rarefeito e na neve e no frio permanentes, não importa a época do ano. No topo, um mirante permite ver a imensidão da Geleira Aletsh. O complexo turístico reúne restaurante, um parque de snowboard, um palácio de gelo e até uma fábrica de chocolates Lindt.
Se o enjoo da altitude estiver moderado, uma boa é descer parte do caminho de trem, até Kleine Scheidegg, e fazer o resto do trajeto a pé e por teleférico. Na trilha, fácil, chamada Royal Walk, famílias com carrinhos de bebê percorrem cenários que parecem saídos dos chocolates Milka, com as vacas alemãs ruminando nos pastos verdes com montanhas nevadas ao fundo. Em Männlichen, estações de teleférico levam tanto a Grindelwald quanto a Wengen, uma pequena, simpática e ensolarada vila.
LUCERNA
No fim, o meio do país
Antes de voltar a Zurique, uma parada em Lucerna. Bem no meio do país, a cidade é banhada pelo lago que lhe empresta o nome e vai dar no Rio Reuss. Compacta, exibe de um lado as muralhas e as torres que delimitavam seus domínios medievais e de outro os prédios históricos à beira-rio, onde fica sua principal atração, a Ponte da Capela. De madeira e construída no século 14, inclui a Torre da Água e exibe, entre arranjos de flores, pinturas com cenas históricas da cidade – muitas tiveram de ser restauradas depois de um incêndio na década de 90. É linda.
Dali, a boa é embarcar num cruzeiro pelo Lago Lucerna. Da mesa do barco onde é servido o almoço, o cenário é conhecido: cidade tranquila, gente em deques mergulhando na água limpa, Alpes ao fundo. Quase sempre a mesma coisa em toda parte, mas, como em toda parte, uma coisa difícil de cansar.
Viagem e Turismo, junho de 2016
© Almir de Freitas