Contos de Agora, uma coletânea de textos de escritores brasileiros contemporâneos, revela as limitações e as potencialidades dos audiolivros
Há coisa de 20 anos, o jornalista Paulo Francis, conhecido por sua rabugice, qualificou os audiolivros como o sinal da entropia da civilização. Naqueles anos de walkmans, cuja disseminação estava longe da dos iPods, o catálogo disponível parecia confirmar. Era um mercado tomado por best-sellers e títulos de autoajuda, com alguma ou outra incursão nos clássicos recitados de maneira solene. No Brasil, nunca pegou de verdade, como se a “verdadeira” literatura fosse incompatível com o formato.
Contos de Agora, lançado pelo selo Livro Falante, põe essa concepção à prova, evidenciando os limites e as potencialidades dos audiolivros. Organizado por Moacyr Godoy Moreira, reúne em dois CDs textos de 21 contistas brasileiros contemporâneos, narrados pela atriz Leona Cavalli. A variedade é um desafio adicional, porque envolve a interpretação de estilos e linguagens completamente distintos.
Leona se sai otimamente bem em contos marcados pela sonoridade das palavras — em geral, textos com mais descrições, como o bom Pai, de Marçal Aquino, e o imagético Paisagem sem História, de Luiz Ruffato. Mas, por conta dessa mesma característica, o oposto também vale: textos mais empolados acabam sendo prejudicados quando lidos em voz alta — caso, por exemplo, do excesso de pretéritos mais-que-perfeitos de Mensagem, de Heloisa Seixas, e Carolina, de Edgar Telles Ribeiro.
DIGRESSÕES E CLICHÊS
Se as descrições são favorecidas, monólogos pontuados por digressões, como Os Distraídos, de Rubens Figueiredo, ou narrativas mais clássicas, como a minissaga Ciranda, de Letícia Wierzchowski, saem perdendo. Na leitura, as primeiras tendem ao solene, enquanto as segundas resvalam no infantil, num tom de conto de fadas. Além disso, no que se refere estritamente à leitura, textos em terceira pessoa e com poucos diálogos tendem a funcionar mais que aqueles narrados em primeira. O melhor papel de Leona, sem dúvida, é o de narradora onisciente. Assumir a voz de personagens que reproduzem falas de outros tantos é um complicador e tanto. Cai-se com frequência nos clichês — a voz, de menina, narradora de Cristina, de Livia Garcia-Roza, ou do miserável desbocado de Muribeca, de Marcelino Freire, por exemplo. A exceção que confirma a regra fica por conta da fluência epistolar de Carta a Meu Tio, de David Oscar Vaz, numa história contada por um menino que, apresentado ao horror da violência, é eficiente como um narrador que parece, em certa medida, tudo saber.
Esse conjunto de experiências é, certamente, a maior qualidade de Contos de Agora. Não substitui a literatura tradicional, mas revela — para o bem ou para o mal — aspectos da literatura que muitas vezes, no silêncio, passam despercebidos.
BRAVO!, janeiro de 2009
© Almir de Freitas