Os contos de Geração 90 – Os Transgressores reúnem um pouco de tudo, e quase nada de novo, produzido pelos novos autores brasileiros
O século 20, como é mais que sabido, foi pródigo em movimentos literários, ou mesmo escritores isolados, que procuraram traduzir os sinais dos novos tempos, quase sempre assumindo uma atitude agressiva em relação ao passado. Tratava-se, então, de combater os fantasmas anacrônicos que povoavam o imaginário do mundo e a forma de apreensão de uma realidade que – por razões puramente estéticas (se é que isso existe) ou político-ideológicas – precisava ser desmontada. Das experimentações e transgressões de normas daí advindas surgiram obras notáveis. Mas também, e por diversas razões, muitas tolices.
Geração 90 – Os Transgressores, coletânea de contos organizada por Nelson de Oliveira com 16 escritores surgidos no período, não escapa dessa armadilha. Reunindo autores de estilos tão diferentes como Arnaldo Bloch, Edyr Augusto Proença, Simone Campos, Altair Martins, Joca Reiners Terron, Marcelo Mirisola e Fausto Fawcett, o livro – ao lado do já publicado Geração 90 – Manuscritos de Computador, também organizado por Oliveira – faz sem dúvida um bom mapeamento da produção literária contemporânea brasileira – ou, pelo menos, do seu lado mais visível. Contudo, além da qualidade desigual dos contos – o que é bastante natural numa edição dessa natureza –, Os Transgressoresmostra a fragilidade de uma geração que, no fim das contas, não sabe muito bem qual é o objeto de suas supostas transgressões.
Há de tudo um pouco nos mais de 50 contos selecionados. E quase nada, na verdade, de muito novo: regras gramaticais subvertidas, repetições, troca de e-mails, hiatos de texto, exercícios de diálogos, histórias picotadas, “versos” e imagens intercalados com o texto, prosa com acento poético, citacionismo a valer, frases soltas e páginas e páginas de períodos curtos, telegráficos, e outras tantas sem nenhuma pontuação – entre uma infinidade de truques. Tematicamente, o universo segue a toada dos que vivem e se afligem com a vida nas grandes cidades, entre as maravilhas tecnológicas e culturais a que têm acesso e à deterioração a que assistem. Mas poucos conseguem transformar esse impressionismo em literatura. Na maioria das vezes, os contos soam como brincadeiras de blogueiros, e, outros, um pouco mais sérios, se perdem na obsessão de quebrar regras. E, afinal, é de se perguntar, qual é a relevância de transgredir essas regras? Contra quem estamos lutando?
Na introdução da coletânea, Nelson de Oliveira define os autores como representantes de uma ficção “dita experimental, filhote legítimo das vanguardas do início do século 20”. Herança que, se é inegável, também é sua maldição. Não faz sentido nenhum – e é bom que se diga com clareza – que se escreva hoje como se houvesse naturalistas, parnasianos e beletristas à moda antiga a assombrar corações e mentes dos leitores. Um século se passou, muita coisa aconteceu com o mundo e com a literatura, e a impressão que se tem é que os autores da década de 90 ainda não conseguiram encontrar novas referências, travando uma velha cruzada contra inimigos inexistentes.
Já está mais do que na hora de os novos autores brasileiros mostrarem que podem reinventar a herança que lhes foi deixada. Nesse sentido, os contos de Geração 90 – Os Transgressores são no fundo conservadores, revelando um apego maneirista a uma tradição que, se não está esgotada, exige um talento que não é para qualquer um. Quem sabe, quando essa barreira for superada, não surjam finalmente os sinais das vanguardas deste novíssimo século 21?
BRAVO!, junho de 2003
© Almir de Freitas