Imagine um romance que seja capaz de juntar um pouco de Eça de Queiroz, um tanto de Jorge Amado, uma pitada de Chico Buarque (o compositor) e um quê de novela de época da Globo.
Se parece bizarra de cara, é preciso dizer de cara também que a combinação funciona bem em “O Pecado de Porto Negro”, do português Norberto Morais, finalista do Prêmio Leya de 2013.
O cenário é Porto Negro, capital da imaginária ilha de São Cristóvão, ex-colônia no Pacífico de um império desfeito.
Ali, em princípios do século 20, brotam marinheiros nos cais, imigrantes nas vendas, mulheres saudosas mirando o horizonte desde a cidade de ruas estreitas.
E também malandros, donzelas prendadas, negras e mulatas habitando o imaginário sensual de uma terra preguiçosa nos trópicos. Fazendo sombra, a civilização ibérica, católica e escravista. Bem sabemos no que isso dá.
Entre esses personagens está Santiago Cardamomo, estivador-sedutor para quem a “felicidade é uma cerveja gelada e um par de coxas enlaçando a cintura”.
Não surpreende que o boa-vida, adorado por todos, tenha um amor clandestino com Ducélia Trajero, a inocente filha do açougueiro da cidade, Tulentino, um homem cheio de dores do passado.
À espreita está Rolindo Face, empregado do açougue, filho bastardo de um vigário, nascido em meio às fezes de uma aproveitadora de carnes gordas. De imediato se reconhece em Rolindo o protótipo do vilão à lusitana: sentimental, ressentido, invejoso.
Não se engana quem deduzir, a partir desse conjunto, uma tragédia. Em boa parte, a narrativa de “O Pecado…” é bastante previsível no que tem, de um lado, de folhetinesco e, de outro, de clássica narrativa realista portuguesa.
Não que seja um problema –na verdade, trata-se de um trunfo. Jogando com a previsibilidade, o autor cria uma narrativa feita de elipses, em que, não raro, o desfecho de uma situação antecede os fatos que levaram a ele.
Noutras vezes, o desfecho parece estar à vista, mas dependente de pedaços de histórias que precisam ser ainda contadas. Por mais que o leitor adivinhe o que se seguirá, Norberto avisa que há segredos e motivos “que, se calhar em caminho, talvez se conte”. Sempre calhará, é claro.
No meio desse ir e vir, entre curvas em direção ao passado, o autor faz questão de exibir toda a exuberância da língua portuguesa, como é comum em terras lusitanas.
Há metáforas impagáveis: “fígado a cozer”, coração como “um frango pendurado pelas patas à procura de um chão”, todas para descrever os humores de Rolindo Face.
Desastres acontecem –como um galinheiro funcionando como alegoria da vida amorosa. E, como é comum também acontecer nesses casos, sobram exageros. É duro dizer, mas há virtuosismos linguísticos que sobram nas mais de 400 páginas do romance.
Romance que, como se verá no final, não nega sua origem folhetinesca. O que é capaz ainda –se calhar– de surpreender o leitor. E não há nada de mau nisso também.
Folha de S.Paulo, agosto de 2015
© Almir de Freitas