Como a revolução que retrata em Capitães de Abril, Maria de Medeiros não cede às facilidades dos extremos
Em determinado momento de Capitães de Abril, dois soldados amotinados discutem se são eles revolucionários ou reacionários, já que, pelo rigores da semântica, estão a reagir a um regime. Em outra cena, o cínico major Gervásio pergunta ao idealista capitão Salgueiro Maia como eles pretendiam sobreviver se não eram nem fascistas nem comunistas. Não há imagens mais exatas do que essas para definir Capitães de Abril: uma aposta arriscada em um caminho que oscila entre dois extremos, sem ignorá-los, mas também sem aderir às facilidades dos opostos. E é disso que o filme tira suas qualidades e limitações – reproduzindo, em cinema, as contradições da própria Revolução dos Cravos.
Maria de Medeiros parou as ruas de Lisboa para filmar o seu Dia 25 de Abril. Ao longo do caminho que leva ao quartel do Carmo, colocou em cena 1,5 mil militares reais e mais 7,5 mil figurantes civis. Os números impressionam, mas engana-se quem vir nisso um sotaque das típicas superproduções norte-americanas, que transformam o impacto das imagens na razão mesma do espetáculo e sustentação da narrativa. Ao lado disso, Capitães de Abril se detém com frequência nos personagens comuns, nos homens ordinários que se encontram, em algum momento e por razões que nunca poderão ser totalmente explicadas (pelo menos não nesse filme), em meio a um acontecimento extraordinário. O símbolo da massa – que dificilmente consegue escapar em cinema dos extremos de “manipulada” ou “agente da história” – é alternado com outros, não exatamente sutis, mas cruciais para uma narrativa que se fundamenta na leitura de que a revolução foi um movimento, antes de tudo, “inocente”. Nesse sentido, o filme não abre mão de uma narrativa mais naturalista, discursiva e afinada com o cinema europeu. É com certa insistência que tais símbolos são apresentados: o soldado que faz sexo com a namorada dentro do tanque, a coluna que estanca diante do sinal vermelho, as mulheres que bradam “homens na cozinha”. Mas não se pode culpar a diretora por isso: o que se pode fazer quando o roteiro se baseia em uma história de militares que decoram seus fuzis com cravos e se recusam a disparar?
A revolução não foi só isso, claro, e Maria de Medeiros sabe que acontecimentos dessa magnitude não são nenhum mar de rosas (ou cravos). Nem por isso optou pela facilidade de ser pessimista ou otimista. O cético major Gervásio mostra que estava certo sobre os rumos pouco românticos do movimento quando o poder é passado ao general Spínola, mas não é isso que tira a razão de Salgueiro Maia, cuja ação, sem cálculo e sem objetivos além de pôr fim à ditadura, foi bem-sucedida: os dois personagens representam duas verdades que não se excluem. Do mesmo modo como é possível filmar aquele dia total, o 25 de Abril, com os ingredientes de um épico histórico e dizer, ao mesmo tempo, que a vida, afinal, segue seu curso sem extremos.
BRAVO!, novembro de 2000
© Almir de Freitas