O Homem e Sua Hora e Outros Poemas mostra a obra do poeta e do crítico que trafegou entre a tradição e a renovação
“Não morri de mala sorte/ Morri de amor pela Morte”, escreveu Mário Faustino (1930-1962) nos versos finais de Romance, um dos poemas do livro O Homem e Sua Hora, que, acrescido de outras poesias, está sendo reeditado neste mês. Embora tenha sido a única publicada em sua curta vida, a obra lhe assegurou um lugar singular na história da poesia brasileira, tanto pelas técnicas e formas rigorosas quanto por suas temáticas particulares.
Como sugere o trecho acima, Faustino era fascinado pela morte e, diz a lenda, pressentiu a sua própria. Conta a história que, no início da década de 1960, em Nova York, uma astróloga previu uma catástrofe nos anos que viriam. Sua primeira reação, segundo os relatos de seus contemporâneos, foi um tanto cética. Em 1962, contudo, adiou o quanto pôde uma viagem para a Cidade do México e, quando finalmente decidiu embarcar, deixou à sua mãe e à cunhada instruções minuciosas de como proceder no caso de um “desastre”. No dia 27 de novembro, perto das 5h30, o Boeing da Varig em que estava preparava-se para uma escala em Lima, no Peru, quando espatifou-se no Cerro de La Cruz, matando todos os passageiros. Seu corpo nunca foi encontrado. Na época, Nelson Rodrigues, com sua habitual crueza, anotou: “Cada qual é o seu próprio cadáver (só o Mário Faustino não foi cadáver, nunca… Seu jato bateu numa montanha. Tudo se desintegrou, terno, sapatos, obturações, o anel. O poeta, o crítico, o editorialista Mário Faustino morreu e não foi jamais cadáver)”.
Assim, aos 32 anos de idade, desaparecia um dos escritores e intelectuais mais talentosos de sua geração. Nascido em Teresina, no Piauí, Mário Faustino fez história na crítica literária brasileira, na página editada por ele no Jornal do Brasil entre 1956 e 1958, chamada Poesia-Experiência. Sua erudição, seu rigor e sua independência o levaram, inevitavelmente, para a polêmica, questionando unanimidades e abrindo espaço para o que pudesse renovar a poesia, entre eles os concretistas.
A morte que tanto o fascinava interrompeu esse esforço artístico e intelectual e abriu um vazio na inteligência brasileira. Não é preciso ser visionário – ou “clarividente”, como Faustino teria sido – para saber que a história da poesia brasileira não seria a mesma não fosse a fatalidade. Um dos efeitos mais perversos foi a afasia das alardeadas vanguardas que se seguiram – o concretismo, ironicamente, à frente, com seus grafismos gratuitos, ladeado pelo prosaísmo de uns tantos e pelo epigramático engraçadinho de outros. De lá para cá, foi uma longa e penosa história de desorientações, em que, salvo exceções, acabou imperando uma disputa estéril entre facções que perdura até hoje, longe do rigor poético que, afinal, constituiu a militância e a obra de Mário Faustino.
BRAVO!, outubro de 2002
© Almir de Freitas