A pobreza segundo os russos

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São dois lançamentos da 34, editora que tem um dos melhores catálogos de autores russos do país. Um é Gente Pobre, de Fiódor Dostoiévski, com tradução de Fátima Bianchi (192 págs., R$ 34); o outro é Teatro Completo, de Nikolai Gogol (408 págs., R$ 52), na versão de Arlete Cavaliere.

Notável, sempre, é a concisão e equilíbrio que se encontra na literatura russa. Nos trechos abaixo (falas de funcionários públicos, por coincidência) se vê como é possível concentrar, sem ser demasiadamente piegas nem frio, um pouco de tudo: humor, compaixão, cinismo, vergonha, humildade & humilhação. De certa maneira (ainda que obscura), faz sentido que a maior revolução socialista tenha estourado por lá.

Primeiro, fala de Artémi Filípovitch, funcionário público graduado, responsável pela assistência social na cidade de O Inspetor Geral, de Gogol:

“Ah! Quanto à questão clínica, eu e Khristian Ivánovitch já tomamos providências: quanto mais próximo da natureza, melhor. Não usamos remédios caros. Gente pobre é simples: se tem de morrer, morre mesmo; se tem de sarar, então sara mesmo.”

Agora, trecho da carta de Makar Diévuchkin, um funcionário público menor de Petersburgo em Gente Pobre, de Dostoiévski:

“Oh, minha filha! De modo que, depois de satisfeitas essas necessidades, restarão três rublos; e eles serão para a sobrevivência e para meia hora de tabaco; porque eu, meu anjinho, sem tabaco não consigo viver. E já é o nono dia que não ponho cachimbo na boca. Para dizer a verdade, poderia comprar e não lhe dizer nada, mas tenho vergonha. Enquanto está aí, em desgraça, privando-se até do essencial, estou eu aqui me esbaldando com todo tipo de prazeres; e é por isso que lhe digo isso tudo, para não ser martirizado pelo remorso. (…) Eu oculto, oculto tudo escrupulosamente de todos, eu próprio me oculto, e no serviço mesmo só entro sempre de modo furtivo, depois de me esquivar de todos.”

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