As editoras Globo e 34 acabam de publicar dois arqui-clássicos, ambos em edição bilíngue: um traduzido do grego (Filoctetes, de Sófocles), o outro, do latim (Agamêmnon, de Sêneca). Entre as duas obras estão seis séculos e algumas civilizações em ruínas. Mas ambas exploram personagens e narrativas paralelas do mito fundador da guerra de Troia.
Filoctetes é o exímio arqueiro que, a caminho de Troia, é abandonado pelos companheiros numa ilha depois de ser picado por uma serpente, causando uma ferida de cheiro insuportável e de dor lancinante. Dez anos depois, precisando do arco invencível de Filoctetes para vencer a guerra, Odisseu encarrega de Neoptólemo, filho de Aquiles, a enganá-lo para levá-lo a Troia. Na obra do SÉCULO 5 a.C., Filoctetes diz a Neoptólemo quando descobre ter sido ludibriado:
“Ancoradouros, promontórios, feras / amigas grimpa acima, pedras íngrimes, / – a quem mais poderia recorrer? – / vilipendio, presenças rotineiras, / a obra iníqua da cria vil de Aquiles! / Jurou levar-me ao lar, conduz-me a Troia. / Selou comigo um pacto e agora furta-me / o arco sagrado de Héracles olímpio / e ainda vai querer mostrá-lo a argivos!” (Filoctetes, de Sófocles. Tradução de Trajano Vieira. Editora 34, 216 págs., R$ 34)
Já Agamêmnon é o rei dos argivos, que provocou a cólera de Aquiles, venceu a guerra e escravizou Cassandra, a princesa troiana há muito condenada a profetizar o futuro sem que ninguém nela acreditasse. Na tragédia do SÉCULO 1 d.C., é Cassandra quem diz a Clitemnestra, a furiosa mulher do rei, diante da tragédia que se abate sobre seu algoz:
“Não me arresteis, irei por mim mesmo antes de vós. / Apresso-me em levar primeiro ao frígios meus / a nova: encheu-se o mar de barcos destruídos, / Micenas foi rendida, o chefe de mil chefes, / para sofrer sorte igualável à de Troia, / por dom, traição, ardil de mulher pereceu. / Nada retemos: abatei-me, até agradeço. / Ah! que júbilo ter sobrevivido a Troia!” (Agamêmnon, de Sêneca. Tradução de José Eduardo dos Santos Lohner. Editora Globo, 242 págs., R$ 29)