Como se fora um Voltaire embrenhado nas Minas Gerais no século 18, Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810) possuía aquele tipo de ilustração, ainda hoje rara, que permite conciliar a elegância, a seriedade e a pilhéria. Poeta árcade, autodenominado Dirceu nos versos que escrevia a Marília, foi um dos conspiradores da Inconfidência Mineira. Movimento que, como se sabe, começou em 1789 com a ameaça da corte portuguesa de cobrar dos mineiros uma sobretaxa de impostos – a derrama – e terminou em 1792 com a execução do alferes Tiradentes e o degredo de outros tantos.
Nas cartas, Cunha Meneses não escapa da caricatura, recurso típico dos inspiradores franceses de Gonzaga (“Na cabeça vazia se atravessa/ Um chapéu desmarcado, nem sei como/ Sustenta o pobre só do laço o peso?”), nem de ter seu caráter ridicularizado (“Mal se põe nas igrejas, de joelhos,/ Abre os braços em cruz, a terra beija,/ Entorta o seu pescoço, fecha os olhos,/ Faz que chora, suspira, fere o peito,/ E executa outras muitas macaquices”).
Contudo, a sátira serve ao propósito de denunciar, simplesmente, o descumprimento das leis. Pois Gonzaga, afinal, era juiz. Membro de fato da elite intelectual de Vila Rica, valia-se de seu repertório para acusar aquilo que lhe era inviolável: “(...) Mas, amigo,/ De que serve fazer-se o que as leis mandam/ Na terra, que governa um bruto chefe,/ Que não tem outra lei mais que a vontade?”.
É evidente que, na pena de Gonzaga, os deputados são “retos”, as leis do reino são “sábias” e os juízes são “zelosos”. Mas em que medida qualquer relativização desses predicativos invalida uma justa investida contra o autoritarismo de um governante que se mostra disposto a passar por cima da mínima ordem para fazer valer sua vontade? Gonzaga não questiona, nesse momento, a coroa – ao contrário, milita para ver suas regras aplicadas corretamente. Sempre se quis mais dos inconfidentes, mas isso não é suficiente?
Sempre se apontaram, com dedo em riste, interesses escusos nesses iluministas adentrados nas Minas Gerais, como se isso fosse algo surpreendente. Não surpreende mesmo é que, diante disso, o episódio da Inconfidência ainda seja cercado de toda sorte de mistificações. Em vez de compreenderem-na em sua inteireza, abarcando a complexidade dos seus agentes, os entusiastas da revolta total se aproximam, quase sempre, dos métodos autoritários daqueles que antes diziam combater.
Primeira Leitura, julho de 2003
© Almir de Freitas