Andrew Becraft
Andrew Becraft
Quatro interpretações para Moby Dick
HOMOSSEXUALISMO
Há críticos que não hesitam em chamar Queequeg, o arpoador pagão do Pequod, de “amante” do narrador, Ishmael. A interpretação pode ser contestada, mas é compreensível. No início do romance, os dois dividem uma cama em uma estalagem; pela manhã, Ishmael acorda com o braço do arpoador sobre si, de maneira “carinhosa e afetuosa”. “Você teria pensado que eu era a esposa dele”, diz. Além disso, Moby Dick é um romance só de homens, que várias vezes destaca a fraternidade entre eles. Num desses episódios, descrito no célebre capítulo 94 (Um Aperto de Mão), Ishmael roça a mão de outros marujos quando estão todos manuseando o espermacete — valiosa substância retirada da cabeça dos cachalotes que leva esse nome por ser semelhante ao esperma. Em inglês, aliás, cachalote é sperm whale.
POLÍTICA
“Eu lutaria contra o sol, se ele me insultasse”, brada Ahab a Starbuck, o sensato imediato que tenta prevenir seu capitão contra a insanidade de sua obsessão. Para o crítico americano Harold Bloom, a frase ecoa “a voz da espiritualidade americana instintiva” — isto é, uma afirmação nacional contra a natureza por ela repudiada. Não faltam, claro, os que veem em Ahab o protótipo do imperialismo beligerante e, numa vertente mais delirante, ecologicamente predatório em sua caça à baleia. A turma do politicamente correto, aliás, faz questão de destacar a diversidade étnica e cultural da tripulação do barco Pequod, formada por americanos, europeus, índios, negros e orientais — ainda que todos os chefes e patrões sejam bem americanos.
PSICANÁLISE
Se o terreno de Moby Dick é o do simbolismo, a interpretação psicanalítica tem, claro, um papel de destaque. Uma das teorias explica a monomania de Ahab em relação à baleia branca como um complexo de Édipo mal-resolvido. Apesar de simplória, essa concepção sobrevive em interpretações laterais. No livro Personas Sexuais, a escritora americana Camille Paglia (que admite a interpretação homoerótica de Moby Dick) toma a perna perdida de Ahab como um símbolo fálico e o vê como um homem desvirilizado que, como Édipo, deseja uma “fêmea” que o levará à destruição. Para Camille, a fêmea é representada pela própria Moby Dick, embora fique claro no romance que se trata de um macho.
RELIGIÃO
As referências religiosas de Moby Dick estão por todo lado: nos nomes de personagens como Ahab (Acabe, o rei hebreu que permitiu a idolatria em Israel) e Ishmael (o filho perdido de Abraão com uma criada); na história bíblica de Jonas, o homem engolido por uma baleia; ou, ainda, no fato de o Pequod deixar o porto de Nantucket num dia de Natal com uma tripulação cheia de pagãos. Contudo, a interpretação que interessa no romance nessa área não diz respeito a esses sinais. A crítica tem se dedicado a compreender o protestantismo dos personagens para entender a concepção religiosa de Melville e de outros pensadores cruciais para a formação do pensamento americano — como Ralph Waldo Emerson e o próprio Nathaniel Hawthorne, amigo pessoal de Melville.
BRAVO!, maio de 2008
© Almir de Freitas