Boliche, pôquer, roleta e bilhar

Em O Grande Jogo de Billy Phelan, William Kennedy parte da cidade de Albany para fazer um retrato dos vícios e virtudes do homem

Em suas memórias, o escritor J. G. Ballard cunhou a frase: “O bridge, o álcool e o adultério são o cimento soberano que mantém a coesão nas sociedades”. Referia-se a sua infância, vivida nas altas rodas de Shangai, na China, nos anos 1930. Mas a observação também poderia valer, no mesmo período, para o submundo de Albany, Estados Unidos, no outro lado do mundo: bastaria trocar o bridge por uma mescla de boliche, pôquer, roleta e bilhar. Este é o universo de O Grande Jogo de Billy Phelan, de William Kennedy, clássico de 1978 que chega ao Brasil, iniciando a publicação da obra do escritor pela editora Cosac Naify.

O livro é o segundo do chamado ciclo de Albany, composto por sete romances interligados e ambientados na capital do estado de Nova York. Como Kennedy (e como o presidente de mesmo nome, aliás), seus personagens principais pertencem a uma linhagem de católicos irlandeses e democratas da costa leste americana. Alguns desses personagens se repetem na série. Em O Grande Jogo de Billy Phelan vemos pela primeira vez, por exemplo, o vagabundo Francis Phelan, interpretado no cinema por Jack Nicholson em Ironweed, filme de Hector Babenco baseado no terceiro romance do ciclo.

Mas em O Grande Jogo... quem está em primeiro plano é Billy, filho de Francis. Billy é um vencedor – um gênio do jogo, ainda que imperfeito – no cenário da marginalidade de Albany, em que figuram proxenetas, bêbados, apostadores e perdedores de toda sorte. Mas há também a poderosa família McCall, que controla tanto a política quanto o submundo. Entre uns e outros, com acesso aos dois mundos, está Martin Daugherty, um jornalista influente e jogador que, de quebra, tem problemas com a figura paterna e um certo dom para a  clarividência. Donos de talentos opostos, fortes e frágeis cada um a sua maneira, Martin e Billy conduzirão a narrativa como peças cruciais de um “jogo” desencadeado com o sequestro de Charlie Boy, o garoto de ouro dos McCall.

É óbvio aqui o empréstimo das regras do jogo às relações sociais e, por consequência, a representação do mundo por meio de Albany. Mas essa evidência está longe definir O Grande Jogo... O romance, assim como todo o ciclo de Albany, é, nas palavras do próprio Kennedy, um “diálogo com o tempo e lugar” – isto é, com a história e a paisagem urbana de Albany, mostradas por meio de personagens locais. Uma narrativa regional, sim, que ganha sua universalidade por meio dos vícios e virtudes de seus personagens – revelando uma humanidade que, a despeito de todas as diferenças, é capaz de unir alta e baixa sociedade, nos dois lados do mundo.

BRAVO!, fevereiro de 2010

© Almir de Freitas

Yu

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