Em março de 1897, os jornais republicanos paulistas fizeram estardalhaço com uma batalha ocorrida no sertão da Bahia, num vilarejo ao norte do Estado chamado Canudos, sobre o qual, até então, poucas notícias havia, a não ser a da existência de um líder messiânico chamado Antônio Conselheiro. Na ocasião, tropas do Exército, em sua terceira expedição, foram humilhadas por jagunços (não era o termo que se usava na época) que supostamente queriam a restauração da monarquia no Brasil. O barulho foi grande. Umbilicalmente ligados ao governo federal, diários como o Comércio de São Paulo e O Estado de S.Paulo apressaram-se em reproduzir a versão oficial do Estado, que, desde a Revolta da Armada (1893), enxergava fantasmas coroados perambulando pelos locais mais improváveis. Ainda que na maior parte das vezes as sublevações não passassem de disputas entre os próprios republicanos.
Desencadeada a grande campanha contra os supostos monarquistas, Euclides (que também acreditava piamente numa vendeta sertaneja) é enviado como correspondente de O Estado para cobrir “as vitórias da República contra os restauradores”. O que já sabemos é que, com base nesse trabalho de campo – longe dos plantadores de café, construtores de ferrovias e recitadores de Augusto Comte nos quartéis –, Euclides escreveria a sua grande obra, Os Sertões, cuja versão final completará um século em dezembro deste ano.
Obra magnífica – síntese da literatura clássica portuguesa mesclada com o arcabouço científico de um homem dedicado ao estudo de várias áreas, da botânica à história, da geografia à engenharia –, Os Sertões foi também o resultado da clareza de um autor que, à vista da vida em Canudos, logo percebeu que aquelas pessoas rudes, castigadas pelas agruras de um Brasil longínquo e esquecidas pelo Estado, não poderiam nunca ser confundidas com conspiradores da realeza.
O jornalista viu de perto a quarta e a quinta expedições contra Canudos, quando se fez terra arrasada do vilarejo. No Rio e em São Paulo, comemorou-se a vitória contra os “subversivos da República”, malgrado os artigos que ele havia escrito. Homem de seu tempo, imbuído das teorias de Darwin e Spencer, Euclides via aqueles sertanejos como uma espécie de “sub-raça”, de uma “terra ignota”, condenada à extinção. A noção causa impacto hoje, e não é de estranhar. Mas o que é preciso ressaltar é que, antes de se entregar ao obscurantismo que a ideologia e a fé cega haviam provocado nos seus
Primeira Leitura, março de 2002
© Almir de Freitas