A genialidade do previsível

A comédia romântica O Amor Custa Caro, dos irmãos Coen, usa a inteligência e despretensão para desarmar um argumento bem conhecido

O que acontece numa comédia romântica quando um advogado rico e bem-sucedido no ramo dos divórcios, mas cansado de sua vida e seu ofício de poucos escrúpulos, conhece uma mulher linda à caça de um trouxa ricaço para dar o golpe do baú? Exatamente aquilo que já se viu em dezenas de filmes do gênero, e os irmãos Joel e Ethan Coen não fazem a mínima questão de contrariar a expectativa do público – o que torna ainda mais notável O Amor Custa Caro, filme com George Clooney e Catherine Zeta-Jones naqueles papéis mais que conhecidos. E é essa mesma previsibilidade que talvez torne esse filme o mais exemplar da obra dessa dupla de roteiristas e diretores que têm no humor inteligente e despretensioso seu maior patrimônio.

Ainda que identificados com uma linhagem do cinema independente norte-americano “de luxo” (O Amor Custa Caro, por exemplo, custou US$ 60 milhões), os irmãos Coen provam que o antídoto contra as imbecilidades comerciais dos grandes estúdios não se acha em invencionices técnicas ou chatices temáticas supostamente alheias à tradição. Ao contrário, seus melhores filmes se destacam antes pelo cuidadoso (conservador?) tratamento de imagens e, principalmente, por uma narrativa clara (conservadora?), traduzidos em roteiros pensados para levar ao limite o potencial da palavra e do elenco na tarefa de fazer rir sem ser simplório ou esquemático.

Não é fácil, é claro. A evidente falta de originalidade do argumento de O Amor Custa Caro podia ser um desastre. Mas não: é apesar dela que Ethan e Joel Coen conseguem, sem truques, produzir uma narrativa que literalmente tira sua graça de falas, cenas bem-boladas e caracterização de personagens. É assim que o advogado Miles Massey, interpretado por um ótimo Clooney, supera sua inicial trivialidade sendo um vaidoso obcecado pelos próprios dentes, queixando-se do tédio de sua vida em meio a audiências e perseguido pelo fantasma do velho sócio entubado e sem intestinos da firma de advocacia.

E não pára aí. Como nos filmes anteriores da dupla, em O Amor Custa Caro é vasta a galeria de tipos estranhos em sequências impagáveis, sempre com excelentes atores mesmo nas menores cenas. É o caso do rico produtor de TV transformado em mendigo após o divórcio (Geoffrey Rush); do milionário caipira, candidato a otário, que fala seu caipirês sem parar (Billy Bob Thornton); do outro milionário, já otário, que tem como fetiche sexual brincar de maquinista (Edward Herrmann); do detetive particular que procura provas de infidelidade e exclama Oy Vei! antes de arrombar uma casa (Cedric The Entertainer); além, naturalmente, da (realmente belíssima) caricatura de perua astuta Marylin Rexroth (Zeta-Jones) e suas amigas pérfidas e plastificadas.

Redondo, o roteiro só pede uma direção competente – o que não é problema nenhum para os irmãos Coen. No fim, a distinção entre cinema comercial e independente não faz sentido para eles. Pois há um momento (há sim, há mesmo) em que os interesses de mercado se cruzam com os do público mais qualificado, à medida que ambos dispensam as idiossincrasias pretensiosas do “cinema de autor” à moda americana. Em O Amor Custa Caro, como nas outras obras dos diretores, estabelece-se um diálogo que dispensa exegetas e outros intermediários. É um humor de ação direta. De tal forma que até à crítica resta pouco além da tentativa de reduzir-se, com alguma elegância, ao seu grau zero, que é o de ser clara ao mostrar que se trata de um belo filme e que vale a pena ser assistido.

BRAVO!, novembro de 2007
© Almir de Freitas