O cipriota Michael Cacoyannis era um cineasta bastante teatral na sua mise-en-scène – coisa que dá para perceber claramente no clipe de Electra (1962). Foi essa a primeira das três incursões do diretor nas tragédias de Euripides – ele ainda filmaria os ótimos As Troianas (1971) e Iphigenia (1977), todos eles com Irene Papas, essa mulher cuja beleza dura, na sequência acima, a luz fica buscando. Aqui, ela se dirige ao cadáver de Egisto, o amante que sua mãe, Clitmenestra, usou para matar seu pai, o rei Agamenon. Quem deu cabo de Egisto foi Orestes, que dali a pouco (como se sabe) seria arrastado pela irmã Electra para uma vingança ainda mais terrível: o assassinato da própria mãe – essas coisas que só os gregos antigos tinham coragem de falar em público e que fariam a festa da psicanálise no futuro…
Nem é, tecnicamente, uma grande cena. Mas é bastante contundente na demonstração de que Electra é uma mulher muito (muito) zangada – uma coisa que parece crescer com a sonoridade da língua grega e com o branco dos olhos e dos dentes de Irene Papas. Curioso é que, no discurso, ela não se limita a vituperar contra o assassino de seu pai: aproveita para dar um esporro no homem que só quis se encostar, saber de vida boa. Sexo, comida e bebida. Pois é.
Há quem chame Euripides de o primeiro dramaturgo feminista da história. Século 5 a. C., senhores. Óbvio o exagero, é fato que ele se especializou em colocar as tragédias das mulheres no centro das suas tramas. São as troianas Hécuba, Cassandra e Andrômaca, a cólquida Medeia (outra bem doida) e as gregas gêmeas Helena e Clitmenestra, além de Ifigênia e outras menos cotadas. São quase sempre mulheres oprimidas – escravizadas, traídas, humilhadas, condenadas à morte por homens. Mas bom lembrar que, quando podem, são capazes de fazer muito estrago.
A íntegra do filme, com legendas em inglês, aqui.