Um desavisado mais afoito e sujeito a tentações (tudo isso junto) poderia aproximá-los: ambos foram poetas e falavam português; viveram e escreveram cada qual com um olho na tradição e outro nas vanguardas europeias do início do século 20; seriam os dois, ainda, homossexuais reprimidos, e nos dois casos as hipóteses são polêmicas, uma vez que, embora não existam provas contundentes para torná-las inquestionáveis, elas não são maneira nenhuma inverossímeis. Para completar, outro evento (circunstancial, que seja) os une neste blog: os lançamentos recentes de obras esquecidas e/ou desprezadas e/ou descartadas e/ou inéditas de ambos. Uma é Obra Imatura, de Mário de Andrade (Agir, 224 págs., R$ 49,90); a outra é Poesia – 1931-1935, de Fernando Pessoa (Companhia das Letras, 648 págs., R$ 59). E estes dois livros, não obstante todas as parecenças acima, mostram o quão diferentes eles eram. Com exceção daquele desavisado afoito e tentado, nós sabemos disso, resta dizer por que isso pode ser visto nessas obras.
Com poemas, textos de ficção e ensaio, Obra Imatura reúne as “primeiras incursões” de Mário nas três áreas, e foi pensada pelo próprio escritor como um roteiro para a compreensão de sua “madura” obra posterior. Fruto da obsessão documental (e da imodéstia) do autor de Macunaíma, uma reunião de “sobras” como essa é impensável no caso do português. Seja porque ele nunca gozou em vida da fama e das facilidades de publicação de seu colega brasileiro, seja porque não lhe ocorrera a ideia de fazer uma seleta, digamos, da “obra madura”, a fim de, eventual e um pouco absurdamente, iluminar a produção anterior. O fato é que Pessoa deu trabalho a acadêmicos sem fim, na tarefa de reunir, decifrar manuscritos, estabelecer versões e decidir pelo texto final, muitas vezes com lacunas – coisa muito distante da “auto-catalogação” minuciosa de Mário.