Há ainda, naturalmente, as diferenças monumentais entre as obras. Fernando Pessoa foi sobretudo um autor de poesias (diríamos poeta “visceral”, com a licença das damas), e foi por conta delas que ele se tornou o grande nome que é hoje, não só para os países de língua portuguesa, mas também para o mundo. A poesia, na trajetória de um Mário militante, acabou sendo mais o veículo de suas ideias sobre a arte, cultura e política, que eram mais ou menos as ideias que uniam as vanguardas de sua época – e não há como ler os “maduros” Ode ao Burguês ou Os Sapos, por exemplo, fora desse registro.
No caso dos versos pacifistas de Há uma Gota de Sangue em Cada Poema (1917), presente na atual edição, a questão é até outra. Por exemplo, estes, do poema Exaltação da Paz :
“Ó paz, divina geratriz do riso,
chegai! Ó doce paz, ó meiga paz
Sócia eterna de todos os progressos,
Estendei vosso manto puro e liso
Por sobre a terra, que se esfaz!”
“Por quê? Se o mundo é bom, a vida boa;
Se a luz é para todos, se as campinas
Dão para todos:
Por que viver, lutando à-toa?…”
Ou estes, de Natal:
“Natal… Hora de sinos badalando,
De neve branquecendo pinherais;
Hora de pés de criancinhas arrastando
Pela brancura lisa do caminho;
Hora do cândido velhinho…
– Em Reims, os sinos não badalam mais!”
É claro que tais versos “imaturos” não são parâmetro para a avaliação de uma obra poética inteira. Mas qual é o sentido, então, dessa catalogação? Mostrar que Mário, na sua origem e apenas um ano antes da morte de Olavo Bilac, era 100% e positivamente muito inferior ao parnasiano, tão enxovalhado na Semana de Arte Moderna de 22? O sentido, claro, é histórico e documental. Mas, então, nesse sentido é lícito dizer que a poesia “madura” de Mário, lida no seu registro histórico — militante a serviço de um ideário — também foi 100% e positivamente inferior à da geração que o sucedeu – contra a qual ele, igualmente, dirigiu críticas, como fez com Drummond.