Trechinho do texto Como Usar as Reticências, publicado no livro Diário Mínimo (Record, 406 págs., R$ 49,90), de Umberto Eco. A nova edição reúne os “falsos ensaios” do primeiro volume (1963) e as crônicas do segundo, chamado Segundo Diário Mínimo (1992). O tema aqui é a mania de certos escritores de usarem as reticências no meio da frase como que pedindo desculpas pela ousadia de sua linguagem – como se jogassem uma pedra e “escondessem a mão”.
(…) O não escritor (…) usa as reticências como uma licença especial de trânsito: quer fazer uma revolução, mas com a autorização da polícia. (…) Tentemos um exemplo. O Manifesto Comunista de 1848 começa, como se sabe, com a frase ‘Um espectro vagueia pela Europa“. (…) Imaginem se Marx e Engels tivessem escrito ‘Um… espectro vagueia pela Europa‘. Simplesmente teriam posto em dúvida que o comunismo fosse uma coisa tão terrível e impalpável (…) Mas se tivessem escrito ‘Um espectro… vagueia pela Europa‘? Quer dizer que não vagueia? Está em algum lugar definido? Mas onde? (…) E se tivessem escrito ‘Um espectro vagueia… pela Europa‘? Teriam querido dizer que estavam exagerando, e que já era muito se o espectro conseguia circular por Treviri, e os outros podiam ficar tranquilos por enquanto?