Le Clézio, Spam e Monty Python

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A leitura frequente, às vezes, nos leva a associações improváveis — algumas são estranhas, mas que explicam um pouco as relações entre literatura, memória, linguagem e cultura pop. Começando a ler Refrão da Fome, do prêmio Nobel J. M. G. Le Clézio (Cosac Naify, 248 págs., no prelo), tema da crítica escrita por Heitor Ferraz para a BRAVO! deste mês, leio o seguinte trecho:

Eu como Spam americano. Muito tempo depois, guardo as latas abertas com uma chave para transformá-las em navios de guerra que pinto cuidadosamente de cinza. A pasta rosa que essas latas contêm, envolta em gelatina, meio com gosto de sabão, me enche de felicidade. Seu cheiro de carne fresca, a fina película de gordura que o patê deixa em minha língua, que me forra o fundo da garganta. Para os outros, mais tarde, para aqueles que não conheceram a fome, esse patê deve ser sinônimo de horror, de comida de pobre. Vinte e cinco anos depois reencontrei-o no México, em Belize, nas lojinhas de Chetumal, de Felipe Carrillo Puerto, de Orange Walk. Por lá ele se chama carne del diablo, carne do diabo. É o mesmo Spam, em sua lata azul ornada com uma imagem que mostra o patê em fatias sobre uma folha de alface.”

spamSpam, no caso, é a abreviação de SPiced hAM, “presunto temperado”, realmente uma junk food das mais pavorosas fabricada nos Estados Unidos pela Hormel décadas atrás e que, segundo vejo agora, voltou ao mercado. No Brasil, foi (é ainda?) comercializado pela Swift, também naquela lata, como diz o personagem de Le Clézio, que se abria girando uma chavinha – quem se lembra disso? Divertido o suficiente para ficar na memória de uma criança, como eu era, então.

swiftDaí que não foi nada difícil lembrar desse quadro do Monty Python, em que a repetição dessa coisa, empurrada para as pessoas, acabou dando origem à palavra que hoje usamos para designar aqueles e-mails que entopem nossas caixas postais. Para quem ainda não viu, vale a pena dar uma espiada.

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Publicado em 15/10/2009

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