Ao abordar o suicídio em Uma Longa Queda, o inglês Nick Hornby põe à prova o humor característico de sua literatura
Suicídio não é exatamente um assunto com o qual se possa fazer graça facilmente. Por mais que os pecados capitais não sejam levados tão mais a sério, e pouco tenha sobrado das fantasias românticas da literatura, a ideia de dar cabo da própria vida segue não sendo confortável para ninguém — não gente com a cabeça no lugar, pelo menos. Brincar com isso quase sempre trai uma iconoclastia juvenil, que não é outra coisa senão um modo de rir de nervoso.
O escritor britânico Nick Hornby, que não teve maiores dificuldades para retratar de maneira bem-humorada o homem médio contemporâneo recorrendo ao futebol (Febre de Bola), ou à música pop (Alta Fidelidade), se arrisca um pouco mais em Uma Longa Queda, lançado agora no Brasil. No romance, quatro suicidas se encontram por acaso numa noite de ano-novo no terraço de um prédio de Londres, cada um com suas razões para se espatifar no chão — razões das mais sérias às mais estúpidas, como costuma se ver por aí.
Martin é um ex-apresentador de TV que destruiu sua vida ao transar com uma menina de 15 anos; Maureen é uma senhora simplória, cuja vida se resume a cuidar do filho que não passa de um vegetal; JJ é um jovem americano que se vê fritando hambúrgueres pelo resto da vida depois que sua banda de rock se dissolve; e Jess é uma garota de 18 anos meio maluca (e insuportável), cheia de problemas familiares, cujo motivo imediato para se matar é ter levado o fora de um tal de Chas, que nem bem namorado é.
Evidentemente, essa diversidade é calculada e, à parte alguns exageros, tem sua utilidade na busca de uma leveza da narrativa. Entre Maureen e Jess, por exemplo, Hornby pode transitar entre o grave e o leviano, sem ficar preso a um tom caricato ou solene demais. Um dos recursos utilizados para isso é o de revezar a narração entre os quatro personagens, que podem dizer seus motivos ao mesmo tempo em que relativizam os apresentados pelos outros. Assim, nos acontecimentos bizarros que seguem ao encontro no terraço, o sombrio várias vezes se torna cômico; noutras, a banalidade revela seu potencial destrutivo.
OS OUTROS
Desnecessário dizer que não há maiores sentimentalismos em Uma Longa Queda. Solidariedade, compreensão e assemelhados não são o forte na relação entre os personagens. Embora a situação sui generis crie uma (inevitável) cumplicidade entre eles, o conflito é permanente. Algo como uma versão de Entre Quatro Paredes com sinal invertido: no lugar de terem de se aturar pela eternidade nas profundezas do inferno, como na peça de Jean-Paul Sartre, os suicidas de Hornby são obrigados a confrontar suas manias, idiotias e fraquezas numa vida que está no extremo do provisório. O inferno, ainda assim, continua sendo os Outros.
Não se trata apenas de humor negro nem de literatura macabra, como é de praxe dizer diante de livros que abordam assuntos como esses. Uma Longa Queda está longe de ser uma obra-prima, mas a sua realização é mais substantiva do que pode sugerir um mero alinhamento de adjetivos. No pacto não declarado que liga um bom escritor de ficção e seus leitores, é possível caçoar de quatro tipos esquisitos, sem precisar fazer de conta que certas coisas não são desconfortáveis.
BRAVO!, março de 2006
© Almir de Freitas