Em Os Emigrantes, W. G. Sebald contra quatro histórias na fronteira entre realidade e ficção, combinando fotografia e prosa
DR. HENRY SELWYN
Numa narrativa curta, Sebald conta que em 1970 alugou em Hingham, na Inglaterra, uma casa “próxima da igreja erigida num cemitério gramado com pinheiros-da-escócia e teixos“. O dono, o médico aposentado Henry Selwyn, contou ao autor ter nascido na Lituânia e emigrado para Londres aos 7 anos, em 1899. Filho de um polidor de lentes, o personagem aprendeu o idioma inglês com facilidade, tornou-se aluno brilhante na Universidade de Cambridge e resolveu esconder sua origem judia, trocando de nome: chamava-se, na verdade, Hersch Seweryn. Tempos depois, Sebald ficaria sabendo que o homem que inspirou seu personagem havia, no fim de um verão, se matado com sua espingarda de caça.
PAUL BEREYTER
Na mistura de fato e ficção de Sebald, não dá para ter certeza de que Paul Bereyter, o segundo personagem do livro, foi, de fato, seu professor primário, como ele diz. Filho de pai meio judeu e mãe alemã, Bereyter rumou para a França em 1935 depois de ter sido proibido pelos nazistas de lecionar. Curiosamente, porém, voltou ao país em 1939 e, por ser “3/4 ariano”, foi convocado pelo Exército, no qual serviu, ao longo de seis anos, em vários países. “Os anos e as estações se alternavam, um outono na Valônia era seguido por um interminável inverno branco nas proximidades de Berditchev, por uma primavera no departamento de Haute-Saône, por um verão na costa da Dalmácia ou na Romênia, mas sempre se estava, como Paul escreveu embaixo desta fotografia, a cerca de dois mil quilômetros de distância, em linha reta — mas de onde?”
AMBROS ADELWARTH
Depois de uma visita a parentes nos Estados Unidos, nos anos 80, Sebald reconstitui a história de Ambros Adelwarth, um tio-avô do autor que deixou a Alemanha em 1900, aos 14 anos. Depois de ter passado pela Suíça, Inglaterra e Japão, Ambros foi trabalhar como mordomo de Cosmo Solomon, bon-vivant nascido em uma família de banqueiros judeus de Nova York. Juntos, correram o mundo, com Cosmo fazendo fortuna em cassinos. Numa dessas viagens, em Jerusalém, Ambros posou para uma foto com trajes árabes. Cosmo, contudo, começou a enlouquecer durante a Primeira Guerra, morrendo, em 1923, numa clínica para doentes mentais. Ambros continuou trabalhando para a família Solomon e, aos 67 anos, dominado por uma “dor incurável”, se internou voluntariamente na mesma clínica, onde também morreria.
MAX FERBER
Numa cinzenta Manchester, com suas torres expelindo fuligem, o artista Max Ferber, o quarto personagem, se sente em casa: em seu ateliê, deixa o pó e os resíduos de tintas se acumularem no chão, uma “torrente de lava da qual Ferber afirmava representar o verdadeiro resultado de seus esforços continuados e a prova mais cabal de seu fracasso”. Hoje se sabe que o personagem, um alemão cujos pais morreram num campo de concentração em 1941, foi inspirado no pintor Frank Auerbach. Foi o próprio Sebald quem, inadvertidamente, se denunciou: na primeira edição alemã de Os Emigrantes, Max Ferber se chamava “Max Aurach”. Havia também duas imagens adicionais: a reprodução de um quadro de Auerbach e uma foto do olho do artista, que foram eliminadas das edições posteriores.
BRAVO!, outubro de 2008
© Almir de Freitas