Em Juliet, Nua e Crua, Nick Hornby mostra que, por trás da cultura de fãs e subcelebridades da internet, permanecem dores antigas
Em 12 de junho de 1986, o cantor e guitarrista americano Tucker Crowe entrou no banheiro de uma boate em Minneapolis, nos EUA. Urinou, saiu e foi direto para o hotel, onde ligou para o seu empresário cancelando a turnê que fazia para divulgar o lendário álbum Juliet. Nunca mais pisou num palco. Aposentou-se sem maiores explicações. Para alguns, virou uma lenda. Mais de 20 anos depois, quem quer que escreva seu nome no Google pode ler informações como essas na Wikipedia, em blogs e em fóruns de discussões de sites especializados. Com os anos, Tucker Crowe perceberá que na era da internet “ninguém mais é esquecido”.
É a partir desse “cenário virtual” que nascem os personagens e se constroi a narrativa de Juliet, Nua e Crua, novo livro do inglês Nick Hornby. O título faz referência ao álbum homônimo que, no romance, é lançado depois desses 20 e tantos anos de sumiço de Crowe, com demos de solos acústicos das músicas de Juliet — um acontecimento e tanto para a legião de fãs tardios do roqueiro fictício. Fãs que, nesses fóruns especializados, se autodenominam “crowologistas”.
Nas páginas que se seguem, ficamos sabendo da história de Juliet e da “vida real” de Tucker Crowe — e, claro, ela é muito mais banal do que aquela imaginada e propalada internet afora pelos fãs. Em sua narrativa, Juliet, Nua e Crua tira o “gênio recluso” do mundo das mistificações enquanto o “ex-músico e ex-pessoa” se aproxima, também via internet, de Annie. Ele, nos Estados Unidos, está prestes a ser chutado pela mulher, Cat, que o sustenta; ela, na Inglaterra, não suporta mais a cidade provinciana em que vive, a também fictícia Gooleness, com o marido, Duncan, um desses crowologistas bastante patetas.
Espertamente, Hornby usa verbetes da Wikipedia, troca de e-mails e mensagens em fóruns como recursos narrativos, construindo uma espécie de fábula sobre a cultura de subcelebridades e seus subespecialistas que prospera na web. Uma cultura que, se vista bem de perto, não consegue ocultar as angústias de sempre — as culpas, os medos, os relacionamentos vazios — e os desejos mais antigos — a necessidade de amor, de fazer algo importante e deixar algum legado.
Para Crowe, não é uma opção aceitável ser “eternamente lembrado” num mundo em que a verdade de todas essas coisas é excluída. Não se trata de condenação à era digital — afinal, é ela quem tirará Annie das sombras e que ajudará a mudar a vida de ambos. Mas também não é defesa. Hornby é ótimo, entre outras coisas, porque suas fábulas não trazem nenhuma moral. De certo modo, é essa mesma liberdade que lhe permite falar de grandes dores com humor, de ser sensível sem abrir mão de uma saudável aspereza.
BRAVO!, maio de 2010
© Almir de Freitas