Vou dizer que não existe, hoje, outro autor capaz de escrever um início de romance tão preciso (é essa a palavra, exatamente) quanto o que segue abaixo — nada fácil, ao contrário do que diz o narrador, Joe Rose. Este é comecinho de Amor Sem Fim, de Ian McEwn (Companhia das Letras, 296 págs., R$ 46), em nova tradução de Jorio Dauster — a antiga, publicada pela Rocco e traduzida por Paulo Reis, chamava-se Amor Para Sempre. O texto é tão bom que funciona no original, nas duas traduções e, desconfio, em outras línguas. Depois dela, não há como não entender a súbita maldição que recai sobre a vida de Joe nas páginas seguintes. É, sem querer fazer trocadilho, o momento exato de sua queda.
É fácil precisar como começou. Fazia sol, mas estávamos debaixo de um carvalho que nos protegia parcialmente das fortes lufadas de vento. Ajoelhado na grama, eu segurava um saca-rolhas enquanto Clarissa me passava a garrafa — um Daumas Gassac de 1987. Esse foi o momento, naquele exato instante foi espetado o alfinete no mapa do tempo: estendi o braço e, quando o gargalo frio e o invólucro metalizado tocaram a palma da minha mão, ouvimos um homem gritar. Voltamo-nos para o outro lado e vimos o perigo. Ato contínuo, comecei a correr em sua direção. A transformação foi total: não me lembro de deixar cair o saca-rolhas, de me pôr de pé, de tomar alguma decisão e nem mesmo ouvir as palavras de cautela lançadas por Clarissa em meu encalço. Que idiotice, correr para essa história e seus labirintos deixando para trás nossa felicidade no relvado primaveril sob um carvalho frondoso!”
Para quem ainda não leu o livro, a situação que se segue imediatamente a esse relato pode ser vista no vídeo acima, na adaptação bastante razoável de Roger Michell para o cinema — para ser justo, ele sai muito bem nessa cena inicial, dificílima. No papel de Joe está Daniel Craig, que já andou frequentando esse blog no seu papel mais famoso.
[…] de Enduring Love, outro filme britâncio que tem uma paisagem de fazer Wow! É Não Me Abandone Jamais, baseado no […]
Estou lendo o livro para resenhar para O Globo e tive o mesmo impacto com as primeiras páginas. Que domínio da narrativa tem o McEwan…
É incrível, não? Dá uma inveja boa…