Na obra do alemão W. G. Sebald, as descrições são tão importantes para dar corpo às narrativas que, às vezes, o grau de minúcia a que elas descem chega a ser atordoante. Exatamente por isso, apontei em um texto a “clareza cristalina” de sua literatura (para ler, clique aqui), o que, entretanto, não significa dizer que seja fácil. Para exemplificar essa aparente contradição, basta atentar para a importância das cores nessas descrições. Não são cores quaisquer: na maioria das vezes, são cores combinadas, elas mesmas descritivas de tons com mínimas diferenças. Nessas diferenciações, parece-se dizer que o mundo ali retratado é bem mais complexo que uma cor genérica poderia sugerir.
Para começar, podemos falar apenas de uma delas: o cinza. Nela, Sebald é pródigo. Alguns são fáceis de identificar. Outros, nem tanto. Em Os Emigrantes (Record, 240 págs., R$ 35), por exemplo, ele escreve:
“(…) atrás de uma parede de nuvens que cobria todo o horizonte a leste subia a fatia pálida da lua, e em seu brilho agora jaziam debaixo de nós as antes invisíveis colinas, topos e cadeias, parecendo um mar cinza-gelo em amplas ondulações.”
Até aqui, nenhuma dificuldade. Cinza-gelo seria algo assim:
Já em Austerlitz (Companhia das Letras, 288 págs., R$ 44), se lê:
“Agora eu já não conseguia tirar os olhos do rio que fluía pesado no crepúsculo, das barcaças que, aparentemente imóveis, afundavam na água até as bordas, das árvores e dos arbustos na outra margem, da hachura fina dos vinhedos, das linhas transversais mais nítidas dos muros de arrimo, das rochas cinza-ardósia e dos desfiladeiros que conduziam lateralmente a um reino, assim pensava, pré-histórico e inexplorado.”
Assim o cinza-ardósia:
Da mesma maneira, nas narrativas, ele percorre outras tonalidades. Como:
Cinza-rato:
Cinza-pombo:
Cinza-chumbo:
Tudo fácil. Mas a coisa se complica num trecho de Vertigem (Companhia das Letras, 200 págs., R$ 41):
“Era na verdade, como resultou de um exame mais detido, um velho manequim de alfaiate vestido com bombachas cinza-lúcio e um casaco também cinza-lúcio, cujos punhos, gola e debrum devem ter sido um dia verde-musgo, e os botões amarelo-ouro.”
Como diabos seria esse cinza-lúcio? Não achei essa cor em lugar algum no Google, mas (em meio a um pequeno surto obsessivo) cheguei a uma hipótese que me pareceu plausível. O “lúcio” poderia se referir ao peixe Northern pike, também conhecido como Esox lucius, de tom cinza-esverdeado. Não tenho certeza, mas seria algo assim:
Mas nem tudo em Sebald é cinza, como bem se pode ver, no trecho acima, pelas cores dos punhos e dos botões do casaco — também cores combinadas. Em breve volto ao assunto, mostrando cores menos plúmbeas.
[…] Para mais informações, em I. Se quiser ler o que mais escrevi sobre Sebald, clique aqui, aqui, aqui e aqui. Ou, melhor ainda, se quiser ler um novo livro do alemão, acabou de sair Guerra Aérea e […]