A editora Globo vem caprichando recentemente nas traduções, seja a do “fácil” latim de Sêneca no Agamêmnon por José Eduardo dos Santos Lohner, seja agora a do sânscrito de Canção do Venerável – o Bhagavadgita por Carlos Alberto Fonseca (232 págs., R$ 29). Não é bolinho esta parte do Mahabbarata, que recua ao século 10 a.C. E, à parte o evidente valor literário, é algo que ajudo a compor a matriz – para o bem e para mal – da ideia de que existe uma sabedoria oriental mais ou menos vedada aos materialistas, alopatas e carnívoros ocidentais.
Na edição, lemos: “Se só encontrar dentro felicidade, satisfação e luz, o yogin tornado brahman atinge o nirvana em brahman”. Muita gente (como eu) não entende precisamente o que isso quer dizer, mas, sim, parece um negócio que promete, parece bom. De certa maneira, é essa ignorância parcial, que não compromete os fins de espiritualidade, a responsável pela perpetuação, três milênios depois, de um estilo que assola os livros de auto-ajuda. Como se o hermetismo fosse imprescindível à terapia.
Num outro lançamento, o inacreditável Imortalidade Diária – Um Curso Conciso em Transformação Espiritual, do (não por coincidência) indiano Deepak Chopra (Rocco, 208 págs., R$ 26), lê-se: “O observador observa a si mesmo e torna-se o observado”. Ou: “Eu sempre existo”. Ou ainda: “Eu sou a existência”. A ideia é que essas coisas aí sejam passos desse supletivo espiritual. Nesse caso, o sábio se vale do efeito atordoante da obviedade no leitor. Que, por serem coisas tão óbvias, devem, sabe-se lá, esconder algo muito muito importante.