Trecho promissor (para o bem ou para o mal) das primeiras páginas de A Morte do Pai (Companhia das Letras, 512 págs., R$ 49,50), que abre uma série de seis volumes ficcionais-memorialísticos de Karl Ove Knausgård, lançado agora no Brasil com tradução direta do norueguês de Leonardo Pinto Silva. Com milhares de exemplares vendidos desde o lançamento, em 2009, a série completa se chama Minha Luta. Precisa ter coragem prum título desses.
(…) Tão evidente quanto o impulso de esconder corpos é o fato de que precisamos levá-los para o térreo o mais rápido possível. É quase inconcebível um hospital que transporte seus cadáveres para o topo do prédio, um hospital em que as câmaras refrigeradas e as salas de necropsia estejam situadas nos andares mais altos. Os mortos são mantidos o mais perto possível do térreo. E o mesmo princípio é válido para as empresas que se encarregam deles: uma seguradora pode muito bem ter seus escritórios no oitavo andar, mas uma funerária jamais. Todas as funerárias funcionam o mais próximo possível do nível da rua. Por que deve ser assim é difícil dizer, poderíamos ser tentados a acreditar que isso se baseou numa antiga convenção, a qual inicialmente tinha uma razão prática, o frio do porão, por exemplo, mais adequado para conservar corpos, e que esse princípio durou até nossa era de refrigeradores e câmaras frias, não fosse a noção de que transportar cadáveres para o alto de edifícios parece algo contrário às leis da natureza, como se altura e morte fossem incompatíveis. Como se fôssemos tomados por uma espécie de instinto ctônico, algo no nosso íntimo que nos compele a guiar a morte à terra de onde viemos.