Trecho de um capítulo crucial de Os Livros das Minhas Vidas (Rocco, 224 págs., R$ 25), em que o bósnio Aleksandar Hemon lembra do seu professor de literatura na Universidade de Sarajevo nos anos 80, Nikola Koljević. Um homem notável, erudito, a quem ele admirava – mas que se tornaria, na década seguinte, um figurão do Partido Democrata Sérvio (SDS), que massacrou milhares de muçulmanos bósnios e croatas.
Fiquei obcecado com o professor Koljević. Tentava identificar o primeiro momento em que eu podia ter notado suas tendências genocidas. Devastado pela culpa, lembrava-me das aulas e das conversas que tivéramos, como se procurasse no meio das cinzas – as cinzas da minha biblioteca. Eu ‘desli’ livros e poemas de que costumava gostar, de Emily Dickinson a Danilo Kiš, de Frost a Tolstói – desaprendendo o modo com ele havia me ensinado a apreciá-los, porque eu devia ter percebido, eu devia ter prestado atenção. Eu estivera mergulhado nos detalhes dos textos, era impressionável e não tinha a menor consciência de que meu professor favorito tramava um grande crime. Mas o que foi feito não pode ser desfeito. Agora em parece claro que sua malignidade teve muito mais influência em mim do que sua visão literária. Extirpei e apaguei aquela parte de mim, jovem e preciosa, que acreditara que era possível escapar da história e se esconder do mal nos confortos da arte. Talvez por causa do professor Koljević, a minha escrita seja imbuída de mal-humorada impaciência com a tagarelice burguesa, lamentavelmente maculada com uma raiva impotente da qual não consigo me libertar.