Jean-Paul Sartre

Entre acertos e erros, filósofo francês sempre preferiu os riscos do se expor do que se omitir diante das grandes questões

Goste-se ou não, a Jean-Paul Sartre (1905-1980) não se pode negar o papel de mais influente intelectual francês do século 20. Se nem tanto pelo valor formal de sua obra literária e dramatúrgica, sem dúvida pela postura de alguém que sempre preferiu os riscos de se expor a se omitir diante das grandes questões de seu tempo. Profícuo na produção e barulhento na ação, tinha um pendor especial para lidar com questões espinhosas, que ia do atrevimento acadêmico de recriar à francesa a fenomenologia alemã de Husserl e Heidegger, em obras como O Ser e o Nada e Crítica da Razão Dialética, ao engajamento aberto nas encruzilhadas políticas com que se deparou ao longo da vida. Errou muito, às vezes clamorosamente, mas isso era de se esperar: hesitar era algo que estava fora de questão.

Hegeliano por necessidade, marxista por contingência (uma boutade que talvez atribuísse a si mesmo), construiu toda a sua obra numa tentativa de desvelar a dialética a serviço de um humanismo temporão, num tempo em que impunham com força irresistível a violência dos Estados, os choques de ideologias, as urgências da política real. Confrontado pelo desafio de dar sentido à existência em um mundo brutalizado, não recuou da árdua tarefa, combinando com rara desenvoltura a práxis e a teoria, extremando uma e outra quando lhe parecia que as circunstâncias o exigiam.

É isso que explica o fato de em períodos distintos ter transformado, para espanto de muitos, em paraísos a URSS de Stálin, na peça Nekrassov, a ilha do jovem Fidel, no relato Furacão sobre Cuba, a China de Mao-Tsé-tung, em diversos artigos no jornal La Cause du Peuple, distribuído pessoalmente por ele nas ruas de Paris em maio de 1968. Nada que o tenha impedido, diga-se, de mudar de posição quando as circunstâncias eram outras, e nada que seja diferente de seu papel ativo na resistência à ocupação alemã na França, a oposição feroz a Charles de Gaulle durante a Guerra da Argélia ou mesmo recusa, inédita, do Prêmio Nobel de Literatura em 1964.

Para Sartre, o que valia era comprar, quando justificada, uma boa briga – o que, aliás, sempre o levou a romper com outros intelectuais, num espectro que foi de Albert Camus, Merleau-Ponty a Raymond Aron; por outro lado, também era alvo, e não se fazia de rogado diante da intolerância de comunistas, católicos e reacionários em geral. Mas, ao mesmo tempo, era capaz de uma generosidade extrema, prestando solidariedade incondicional a quem julgasse merecer, mesmo que esses não partilhassem de suas convicções, como foram os casos da campanha em favor da libertação de Jean Genet ou da mobilização pacifista de Bertrand Russel durante a Guerra do Vietnã.

Mas nem tudo isso dá a dimensão da sua estatura. Indo mais fundo, encontra-se aquele que insistia em lembrar do nazismo em Os Seqüestrados de Altona, como a exorcizar um pesadelo que jamais pudesse voltar a fazer sombra sobre a civilização; que reconhecia em As Mãos Sujas o preço a se pagar da militância na política real de tempos difíceis; que invocava infernos e pragas para mexer com a suscetibilidade de seus patrícios colaboracionistas dos nazistas em Entre Quatro Paredes e As Moscas; que não desistia de tentar traduzir, em obras como A Náusea, O Muro e Os Caminhos da Liberdade, o existen-

Primeira Leitura, junho de 2002

© Almir de Freitas


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Jordana Braz