O príncipe e o sapo

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Fui assistir a Gran Torino no sábado – sessão das 16h30 no Unibanco Arteplex. Sentado na última fileira, me dei conta de que talvez exista um público Clint Eastwood por aí, coisa para a qual eu, distraído que sou, nunca tinha atentado. Na minha frente, eram várias as cabeças calvas ou com cabelos brancos, de homens na faixa dos 50 e 60 anos, que tinham entre 15 e 20 quando o inspetor “Dirty” Harry Callahan saía barbarizando pelas ruas de São Francisco com sua Magnum 44. Seria interessante saber a opinião deles sobre a ideia de que Clint, com este filme, faz uma espécie de acerto de contas com o personagem violento que marcou sua carreira. Personagem que foi também o ponto de partida para que, desde Sobre Meninos e Lobos (2003), se construísse uma fábula sobre a conversão do sapo violento em príncipe humanista. Em Gran Torino, essa visão parece, de fato, se cristalizar na figura do americano bronco, armado, conservador e racista que, por fim, se redime aos bons modos, se confessa ao padre e prefere se sacrificar pelo outro a recorrer aos velhos métodos.

Se essa trajetória de Clint é inegável, ela não está livre – exatamente porque é contada em tom de fábula – de mistificações. A principal delas é o erro (e confesso que me dá uma certa preguiça de falar isso mais vez) politicamente correto de transformar valores morais em estéticos ou mesmo técnicos. E é por conta disso que Gran Torino tem sido um dos flmes mais superestimados de Clint Eastwood. O mea-culpa individual  e auto-flagelação americanista coletiva que anima muita gente vem se sobrepondo ao fato de que o filme, apesar de simpático em muitos momentos, é fraco. O roteiro é frouxo, apressado e discursivo, e certas sequências chegam a ser quase amadoras, com o próprio Walt Kowalski servindo de narrador com seus pensamentos em voz alta. Além disso, em muitos momentos, a ranzinzice de Kowalski parece apenas plágio malfeito do excepcional Menina de Ouro (2004), em que o treinador de boxe Frankie Dunn vive em permanente batalha de cinismos com o personagem de Morgan Freeman. E esta é uma lembrança perversa, em vista dos irmãos hmong de Gran Torino, dois atores inacreditáveis de tão ruins.

Se o critério são as boas intenções, Gran Torino é um ótimo filme. Mas desconfio que, como eu, aqueles senhores na plateia achem Dirty Harry mais divertido.

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